Em Julho/99, conheci um morador de rua que mudou a minha vida, chamava-se Sr. João. Ele era uma criatura de muito carisma e humildade. Algumas pessoas passam por nossas vidas e deixam marcas, ele foi um.
Quase todas as noites, eu ia levar comida para ele e levava também um banquinho com a intenção de conversar um pouquinho enquanto ele comia, mas o papo acabava indo longe, ficávamos conversando por horas e horas.
O modo como ele encarava a vida era o que mais me impressionava.
Ele não era revoltado, não bebia, não usava drogas e nem roubava.
O pouco dinheiro que ele ganhava era fruto das pinturas que fazia nas casas próximas de onde dormia.
O Sr. João não parava quieto, sempre estava inventando algo para fazer.
Ele achava que a rua deveria ser mais bonita e mais limpa, então, quando sobrava tinta nos lugares onde pintava, ele trazia para pintar os muros pichados e as guias das calçadas que via pela frente.
Eu não entendia como ele podia suportar a rua, a falta de comida, a falta de higiene, a solidão e até a violência que há nas ruas, sem se revoltar contra o mundo.
E além de tudo, ainda querer que as ruas ficassem mais bonitas!!!
Tudo isso, era demais para a minha cabeça.
Durante as nossas conversas habituais, ele sempre me dizia que tudo na vida é passageiro e que ele não ficaria naquela condição por muito tempo.
E não ficou mesmo.
O Sr. João não queria dinheiro fácil, vivia pedindo emprego para toda pessoa que se interessava por ele. Tinha vontade de trabalhar como caseiro em uma chácara, apenas em troca de cama e comida.
Fui informada por alguns vizinhos que um casal o colocou dentro do carro e o levou para um albergue para idosos.
Infelizmente, ele não conseguiu ser caseiro, pois, faleceu após alguns meses que estava no albergue. Acho que ele morreu de tristeza, pois não era isso o que queria.
Sinto muitas saudades daquela doce criatura.
Eu tenho a absoluta certeza que não o encontrei por acaso.
Ele mudou a minha vida!!!
Em homenagem ao Sr. João, decidi fundar um grupo para ajudar outros senhores JOÃOS que vivem, igualmente, nas ruas.
Em setembro de 1999, eu dei o passo inicial através de um anúncio no jornal.
Antes de marcar a 1ª reunião, foi necessário acumular certo número de interessados.
No dia 13/11/99, nós nos reunimos pela 1ª vez para combinarmos o local de preparo da comida, tipo de alimentação, dia dos trabalhos, horário e local para a distribuição.
A 2ª reunião ocorreu no dia 20/11/99 para definirmos os últimos detalhes.
Decidimos que alimentação seria a sopa e o dia das distribuições seria todos os domingos.
Não tínhamos nem 1 garfo para iniciar, mesmo assim, começamos os trabalhos com a cara e a coragem.
Um senhor que participou das reuniões chamado Sr. Orival nos cedeu a casa dele na V. Matilde para começarmos a fazer a comida dos moradores de rua.
Um outro voluntário, chamado Rinaldo comprou sozinho todos os ingredientes para a nossa 1ª sopa.
A nossa 1ª distribuição aconteceu no bendito dia 28/11/99, foi um dia de grande emoção para todos os presentes, tivemos vários imprevistos, mas tudo terminou muito bem para uma 1ª vez sem experiência nenhuma.
Com o passar do tempo, fomos ganhando mais experiência e nos equipando melhor, compramos 1 fogão industrial, 1 caçarola de arroz, alguns caldeirões, 1 seladora para fechar marmitex e alguns utensílios domésticos.
Uma voluntária chamada Dª Francisca também nos trouxe 2 caldeirões que ganhou na creche onde trabalhava.
A partir destas benfeitorias, resolvemos trocar a alimentação para arroz, feijão, carne moída c/ batatas e polenta.
Após 3 meses e 12 dias, por motivos pessoais, o senhor não pode mais ceder a sua casa para as reuniões do grupo.
Procuramos incessantemente por outra pessoa que pudesse nos oferecer um novo espaço. A procura foi toda em vão...
Passados 30 dias sem sucesso na procura, resolvi propor ao grupo que usasse, provisoriamente, o quintal da casa da minha mãe até encontrarmos um outro lugar.
Mas seria necessário fazer alguns reparos no quintal. Teríamos que trocar o tanque que estava encardido, colocar uma pia e fazer um telhadinho.
Todos concordaram e assim foi feito. Levamos mais uns 15 dias para colocar tudo na perfeita ordem.
Ficamos instalados na casa da minha mãe por 2 anos e 2 meses. A casa era alugada e ela precisou entregar o imóvel para o proprietário.
Tivemos que procurar um outro local. Fomos conversar com o Elias Jabbour (diretor do Clube da Cidade Tatuapé) e ele autorizou o GAV a dividir a cozinha/refeitório com os funcionários. Ficamos lá por 9 meses.
Infelizmente, a secretária do diretor não foi solidária, não se simpatizou com o trabalho do GAV e nos colocou para fora do clube. Nossas coisas foram jogadas de qualquer jeito na grama cheia de lama.
Mais uma vez, o GAV estava na rua. Fomos obrigados a sair à procura de outro lugar para acomodar os alimentos, móveis e utensílios do grupo.
Eu e meu tio fomos procurar a Sheila Maria (diretora do Clube da Cidade Mooca) para pedir um espaço. A diretora foi muito amável e nos ajudou de imediato. Ela nos levou para ver um local que estava sem uso e analisar se o tamanho seria adequado. Na hora que ela abriu a porta e eu vi o local por dentro me deu uma crise de choro, não sabia se ria ou se chorava, tamanha foi a emoção.
Imediatamente, fizemos uma bela pintura, instalamos 2 tanques e pias e nos mudamos para aquela cozinha abençoada. Fomos muito felizes naquele lugar.
Infelizmente, o coordenador social da Prefeitura chamado Antonio Albejante resolveu instalar o conselho tutelar neste espaço e nos despejou do Clube da Cidade Mooca no dia 6 de Fevereiro de 2006.
Este homem não foi humano o suficiente para nos deixar no local até arrumarmos outro lugar para transferir os nossos móveis e utensílios domésticos. Fomos colocados para fora sem dó e piedade.
Após o despejo, eu tentei dar continuidade ao trabalho do GAV.
Nós modificamos a alimentação, como não havia um lugar para fazermos as refeições completas, optamos por levar pães c/ mortadela e chocolate quente para os moradores de rua. Esta alimentação é muito fraquinha e eles começaram a nos cobrar as antigas marmitas com arroz, feijão, carne, batatas, polenta, etc, etc.
Eu preservei o Jantar de Natal dos Moradores de rua, o último que fizemos foi em Dezembro de 2006. Eles comeram feijoada, panetone, tomaram refrigerante, ganharam uma sacolinha de presentes e 1 kit de higiene (creme dental, papel higiênico).
Este esquema não durou por muito tempo, pois o preparo dos lanches e do chocolate estava sendo feito dentro da minha casa. Não é legal misturar um trabalho de caridade com a nossa casa e privacidade.
28/11/99 - 12/03/2000 = 3 meses e 12 dias => Casa do Sr. Orival
5/05/2000 - 9/07/2002 = 2 anos e 2 meses => Casa da minha mãe
9/07/2002 - 30/03/2003 = 9 meses => Clube da Cidade Tatuapé
30/03/2003 - 10/01/2006 = 2 anos e 9 meses => Clube da Cidade Móoca
6/02/2006 - 15/08/2010 = Despejo e dificuldade para encontrar um salão
15/08/2010 - Recomeçamos as atividades no salão novo!
Desde a fundação até a presente data, passamos por vários obstáculos e muitas pessoas maldosas e mal intencionadas já cruzaram os nossos caminhos, mas continuamos firmes e fortes em nosso propósito fraterno.
Graças ao todo poderoso e bom DEUS!
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